A discricionariedade é uma das
formas de actuação da Administração Pública (posteriormente designada por Administração),
todavia esta forma de actuação só é válida e possível quando a lei a prevê,
encontrando-se assim a Administração subordinada à lei.
Este poder discricionário nem
sempre esteve pendente da lei, verificando-se no percurso do tempo mutações
quanto à sua interdependência, salientarei os momentos mais relevantes e
marcantes quanto à sua metamorfose.
No período de Estado de Polícia,
em que o Monarca era detentor de um poder absoluto, a Administração era portadora
de um poder discricionário ilimitado e a lei não estabelecia quaisquer limites
à sua forma de actuação, encontrava-se assim totalmente independente da lei.
Contudo este preceito foi-se modificado
de forma paulatina, e o Monarca, detentor de uma legitimidade histórica, passou
a ter algumas restrições legais, verifica-se neste período o nascimento do
princípio da legalidade.
Como já referi, as alterações foram
lentas, e esta restrição inicialmente era diminuta, pois o seu condicionamento
apenas se verificava-se quanto à Administração sobre a forma de administração
contenciosa, e os particulares apenas poderiam recorrer aos tribunais quando o direito
do seu património era ofendido. A administração sobre a forma de administração pura,
que tinha como objectivo prosseguir o interesse público de acordo com a vontade
soberana do Monarca, não se encontrava sujeita à fiscalização jurisdicional,
havendo apenas controlo por parte do superior hierárquico.
Em 1842 ocorreu uma alteração
significativa no nosso sistema quanto a esta matéria, o art.º 280 do Código
Administrativo de Costa Cabral, possibilitou aos particulares a faculdade de
recorrerem aos tribunais sempre que algum acto administrativo violasse uma
disposição legal (lei ou regulamento administrativo) independentemente da sua
forma, administração pura ou contenciosa – “…Em geral o Conselho julga todas as
reclamações contra os actos da administração fundados nas leis e regulamentos
administrativos”, texto redigido cf
original.
Em 1850, com o regulamento do
Conselho de Estado, verificou-se mais uma condicionante ao poder
discricionário, pois houve um alargamento no poder jurisdicional sobre a
Administração, passando a ser igualmente possível a fiscalização quanto ao
excesso de poder e incompetência administrativa, pelo que se pode concluir que
a discricionariedade administrativa passa a ter como limites a competência e o
fim da sua actuação.
Com o Código Administrativo de
1896 a distinção entre a Administração pura e a Administração contenciosa
acaba, mas apesar de se verificar um aumento do poder de controlo por parte dos
tribunais sobre a Administração, o seu exercício ainda se encontra limitado
quanto à conveniência das deliberações tomadas pela Administração, cf. expresso no art.º 326 do Código
Administrativo de 1896: “Não é permittido aos tribunaes, nos
processos do contencioso administrativo, julgar, principal ou incidentemente,
questões, sobre títulos de propiedade ou de posse, validade de contractos ou
direitos civis d’elles emergente, sobre a conveniência ou inconveniência das
deliberações dos corpos e corporações administrativas, nem sobre resoluções
tutelates, salvo quando proferidas por estações incompetentes ou em assumptos
que não estejam sujeitos á jurisdicção tutelar ou com violação das leis e
regulamentos administrativos.” – Texto redigido cf original.
No ano de 1930, surge mais uma
restrição ao poder discricionário, a publicação do decreto 18 017 de 28 de
Fevereiro, mais precisamente o art.º 1 – “O contencioso Administrativo abrange todos
os actos e decisões definitivas e executórias da administração pública, quando
arguidas de incompetência, excesso de poder, ou violação de lei.”, texto redigido cf original – acabou
por responder a uma questão que inquietava a jurisprudência e doutrina relativamente
ao excesso de poder, nomeadamente se este preceito poderia ser considerado uma
das formas de desvio de poder, ou seja se era ou não uma forma de ilegalidade
do poder discricionário.
Após as alterações acima
referidas, a Administração nos dias de hoje tem que estar habilitada pela lei e
em que medida, e isto deve-se pelo facto desse poder ser facultado ao titular da
decisão com o propósito de o obriga a procurar a melhor solução para a
satisfação do interesse público, daí a limitação pela lei e também pelos
princípios juridico-administrativos, que se encontram consagrados na
Constituição Portuguesa e no Código de Procedimento Administrativo.
Quando da lei não resulta a habilitação para o poder decisório e esta
regula todos os preceitos de forma pormenorizada, a Administração vê-se privada
de qualquer tipo de autonomia de escolha e a sua função é chegar a um único resultado
que por sua vez é o único resultado legalmente possível. A Administração
encontra-se assim totalmente vinculada à lei, o acto Administrativo é um acto
vinculado. – Exemplo: nº 2 do Art.º57 da Lei nº169/99, de 18 de Setembro, “
Para além do presidente, a câmara municipal é composta por:
a) Dezasseis vereadores em Lisboa;
b) Doze vereadores no Porto;
c) Dez vereadores nos municípios com 100000 ou mais eleitores;
d) Oito vereadores nos municípios com mais de 50000 e menos de 100000
eleitores;
e) Seis vereadores nos municípios com mais de 10000 e até 50000
eleitores;
f)
Quatro vereadores nos municípios com 10000 ou menos eleitores.”
Como se pode verificar a
Administração não tem qualquer poder de decisão, cabendo-lhe apenas confirmar
os elementos exigidos pela lei.
Quando é conferido o poder
discricionário, a Administração pode seguir por dois caminhos distintos, ou
exerce esse poder no seu pleno e decide de forma casuística, ou atribui a si
mesma normas genéricas em que determina os seus critérios de decisão, neste último
caso estamos perante uma auto-vinculação.
Este método trás vantagens, pois
como supra referido o poder
discricionário tem como propósito obrigar o titular da decisão a procurar a
melhor resolução de interesse público, e isto deve-se à sua proximidade e
conhecimento da matéria em causa, diferentemente do legislador que pode não ter
qualquer experiência ou conhecimento de causa, pelo que torna a Administração
mais apta para uma decisão num caso concreto, contudo este procedimento de
decisão pode ser longo, pois vários factores de ponderação devem ser tomados em
conta, ao que a Administração para acelerar o este processo prefere definir
critérios gerais e abstractos para uma desburocratização e simplificação do
processo decisório.
Todavia esta forma de actuação
pode trazer consigo algumas desvantagens, nomeadamente por em causa alguns
princípios constitucionais, tais como o princípio da legalidade e o da
igualdade.
O princípio da legalidade pode
estar em causa por se verificar a violação da disposição legal, em que a lei ao
impor a discricionariedade implica a extrema necessidade de uma decisão casuística
e a Administração desta forma revoga tal disposição, o que implica a
ilegalidade do acto; o princípio da igualdade pode estar comprometido, pois ao
serem inseridas normas gerais e abstractas este princípio pode não ser
respeitado quanto à sua obrigatoriedade de diferenciação – tratar igual o que é
igual e tratar diferente o que é diferente – em virtude da cristalização de
critérios decisórios e não permitindo a ponderação dos factos relevantes do
caso concreto.
Assim conclui-se que a auto-vinculação
só é possível quando é devidamente conjugada com estes dois princípios, pois os
critérios decisórios não podem ser variáveis e estas disposições auto-vinculaveis
não podem dispensar o decisor, pois deve sempre ser averiguado o caso concreto
a fim de confirmação da existência de factos que obriguem a devida solução
diferente.
Quando é violada uma destas
disposições auto-vinculativas estamos perante uma ilegalidade, porque quando a
Administração actua neste sentido, tem como um dos seus objectivos garantir o
princípio da igualdade no sentido de eliminar a discriminação e assim garantir
aos particulares um tratamento justo e anti-discriminatório.
Contudo esta vinculação não é Ad Eternum podendo a Administração
decidir de modo diferente da prática habitual, cf a disposição do art.º 152 nº1 d) do CPA – “ Para além dos casos em que a
lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que,
total ou parcialmente: (…) d) Decidam de modo diferente da prática
habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e
aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;”. – Texto
Redigido cf original.
Esta opção existe pelo facto de o
interesse público não ser constante, e com o decorrer do tempo pode ser
necessário medidas de actuação em sentido contrário às disposições iniciais,
porém e como expresso no artigo já mencionado, esta medida de actuação carece
sempre de fundamentação.
Também podem ocorrer situações em
que a própria lei não permita a possibilidade à Administração de regular
previamente os seus critérios de escolha, exigindo-lhe sempre a análise do caso
concreto.
A discricionariedade pode
revestir diversas formas, podendo ser uma discricionariedade de acção, em que
consiste ao titular da decisão a possibilidade de agir ou de não agir; pode ser
uma discricionariedade de escolha, em que dentro de um leque de opções
facultadas pela lei escolhe-se a que é mais conveniente; ou podemos estar
perante uma discricionariedade criativa, em que cabe ao titular da decisão a
criação da actuação concreta, mas sempre dentro dos limites já acima mencionados.
A actividade da Administração
está sujeita a vários tipo de controlo, nomeadamente o controlo de mérito, ou
de legalidade e ainda o controlo administrativo ou jurisdicional.
O controlo de mérito só pode ser
exercido pela Administração, não podendo aqui verificar-se controlo jurisdicional,
e isto deve-se a dois princípios constitucionais que se encontram consagrados
nos art.º 2 e 111 do CRP (Separação dos poderes e interdependência).
Do mérito pode-se extrair duas
ideias que por sua vez encontram-se mencionadas no art.º 21 da LOSTA – “… ao
Tribunal é reservado, em exclusivo, o conhecimento da legalidade do acto
recorrido, ficando para a outra entidade apenas a apreciação da sua justiça e
conveniência.”- sendo essas a ideia de justiça e a ideia de
conveniência.
O mérito exige que haja uma
apreciação entre a oportunidade e a conveniência da decisão administrativa, ou
seja, tem que se confirmar se a sua actuação foi, dentro de um conjunto de
soluções possíveis, a melhor para o interesse público. Atenção que nesta
decisão a legalidade não é posta em causa, pois todas as possíveis soluções são
legais.
Como já referido, os Tribunais
não podem interferir quanto ao mérito da actuação da Administração e isto
deve-se ao já mencionado princípio da separação de poderes que está previsto na
constituição, art.º111, e tendo o Tribunal Administrativo como função julgar as
acções e recursos contenciosos (art.º 212 nº3 da CRP), e da leitura da
Constituição anotada volume II de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, pag.
566, os recursos contenciosos consistem na impugnação com fundamento da
legalidade, pode-se concluir que o controlo jurisdicional recai apenas quanto à
legalidade da decisão e nunca quanto ao seu mérito, mas como reforço a esta
limitação de controlo por parte dos tribunais podemos ainda ver o nº1 art.º 3
do CPTA, que não só consagra a separação de poderes como exclui a sua
competência quanto à conveniência ou oportunidade da actuação da Administração,
assim como o nº2 do art.º 71 do CPTA que admite a margem de decisão quando há
mais do que uma solução legalmente possível.
O controlo Jurisdicional é apenas
possível quanto à legalidade, mas o controlo da legalidade não é exclusivo dos
Tribunais, podendo também a própria Administração agir neste sentido.
Para saber se um tribunal pode
intervir tem que se ver se alguma disposição legal foi violada, por exemplo: a
lei A manda a Administração agir de uma determinada forma quando se verificam
determinados factores, e a Administração contraria essa disposição fazendo algo
contrário.
Existem quatro formas de
vinculação legal, ao que a violação de quaisquer uma destas disposições implica
uma ilegalidade:
·
O fim a prosseguir com a conduta administrativa
habilitada, por exemplo o INFARMED só pode prosseguir as atribuições que lhe
foram conferidas por lei, nomeadamente Decreto-Lei n.º 46/2012, de 24 de
Fevereiro;
·
Tem que haver competência subjectiva, um titular
de um órgão do INFARMED não pode decidir questões relacionadas com O ENEM, pois
trata-se de pessoa colectiva diferente;
·
Há vinculação quanto à vontade, não podendo
assim um titular de um órgão optar (dentro de vários orçamentos) pelo
fornecedor que lhe oferece uma remuneração adicional a titulo pessoal;
·
A medida do poder discricionário ou a ausência
do mesmo, não podendo o titular da decisão escolher para além da sua
habilitação ou escolher quando não há habilitação para tal.
Pode-se verificar que o poder
discricionário apesar de em tempos ter tido uma forte predominância na
Administração Pública, em que o monarca e seus agentes poderiam decidir da
forma que melhor lhes conviesse, esse poder foi sendo encurtado através de
princípios e normas jurídicas a fim de garantir uma melhor administração, em
que o seu único objectivo seria garantir o interesse colectividade, contudo esta
forma de actuação nunca será de todo excluída no sistema administrativo pelas vantagens
também existentes em seu torno.
Possibilitando a resolução do
caso concreto consegue-se atingir uma maior justiça e adequabilidade, pelo que
na ausência desta forma de actuação a única forma de tentar garantir a justiça
seria através de normas jurídicas que previssem todas e quaisquer situações
passíveis de existir, mesmo nas condições mais peculiares e improváveis, isto
é, para além da legislação já extensa que existe no nosso ordenamento e que se
encontra em constante actualização, acompanhada pelos inúmeros regulamentos e
afins, teríamos muitos mais diplomas e normas a cercar a administração. Contudo
e mesmo que este sistema fosse infalível e houvesse disposições normativas para
todas e quaisquer situações existente na vida (o que por sua vez não o seria
pelas razões obvias) um dos princípios jurídico-administrativo de certo não
seria cumprido, nomeadamente o de boa administração (art.5 do CPA), pois a
busca pelas normas jurídicas seria deveras longa e exaustiva o que levaria a
longos períodos de tempo de espera por decisão, e mesmo decorrido o vasto tempo
a probabilidade de ter falhado um preceito seria grande. Assim sem o poder
discricionário a Administração por certo não seria célere, económica nem
eficaz, pelo que mesmo tendo havido abusos quanto a este modo de actuação, não
deve o mesmo ser posto de parte nem esquecido.
Material de estudo:
Curso de Direito Administrativo
volume II, 2ª edição de Diogo Freitas do Amaral;
Direito Administrativo Geral Tomo
I, 3ª edição de Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos;
Lições de Administrativo, 4ª
edição de José Carlos Vieira de Andrade;
Constituição anotada volume II,
4ª edição de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira.
Bárbara de Brito nº de aluno
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