segunda-feira, 30 de maio de 2016

PARCERIAS PÚBLICO PRIVADAS – RENEGOCIAR?


Portugal afigura-se como um dos países que ao nível europeu mais se tem destacado relativamente ao seu investimento em parcerias público privadas (PPP). Segundo dados publicados pelo Eurostat de 2015, os encargos com este tipo de contratos representam 5,12% do Produto Interno Bruto (PIB), o segundo valor mais alto entre os países da União Europeia.
Durante a última década assistiu-se em Portugal a um aumento exponencial de PPP associado à modificação do paradigma de intervenção do Estado na economia que passou de um modelo de intervenção directa, fruto da revolução de 25 de Abril de 1974, marcando ainda toda a década de 80, para um modelo de intervenção indirecta na sequência das privatizações entretanto ocorridas bem como do impulso regulatório proveniente da União Europeia. O recurso a PPP foi igualmente motivado em razão dos constrangimentos orçamentais verificados a partir de 1997, ano a partir do qual Portugal ficou vinculado ao Pacto de Estabilidade e Crescimento o que, atendendo ao facto do crescimento da dívida pública ter passado a estar condicionado pela União Europeia, levou à celebração das PPP como forma de obtenção de financiamento privado imediato que não se reflectia no Orçamento de Estado.
Nesta perspectiva, importa lançar um olhar crítico sobre as PPP uma vez que as fortes restrições orçamentais podem criar situações delicadas face aos compromissos assumidos neste tipo de contratos. Consequentemente, tem sido colocado em debate a imperiosa necessidade de rever ou renegociar tais contratos atendendo ao princípio da prossecução do interesse público.
Não existindo uma definição única do que é uma PPP, ela pode ser descrita como um contrato entre o sector público e uma entidade privada em que esta última presta um serviço pelo qual é remunerada pela entidade pública. O Estado assume-se concedente e o privado concessionário. Através da PPP, o privado fica responsável por diversas fases do processo: concepção, construção, financiamento, manutenção e exploração da infra-estrutura ou do serviço.
No plano jurídico, a definição de PPP encontra-se consagrada no DL nº 111/2012, de 23 de Maio, que nos termos do seu artigo 2º, nº 1 entende como PPP “o contrato ou união de contratos por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar, mediante contrapartida, o desenvolvimento privado de uma actividade tendente à satisfação de uma necessidade colectiva, em que a responsabilidade pelo investimento, financiamento, exploração e riscos associados incubem, no todo ou em parte, ao parceiro privado”.
Em 2004, a Comissão Europeia lançou o Livro Verde sobre as PPP, constituindo o principal contributo comunitário sobre a matéria. O Livro Verde enquadra-as como “formas de cooperação entre as autoridades públicas e as empresas, tendo por objectivo assegurar o financiamento, a construção, a renovação, a gestão ou a manutenção de uma infraestrutura ou a prestação de um serviço”. Ainda segundo este documento, as PPP podem diferenciar-se em contratuais ou institucionais. As contratuais são aquelas cujo envolvimento do sector privado com o sector público para a prossecução de fins de interesse público é maior e corresponde ao modelo mais utilizado em Portugal, ao invés das PPP institucionais que têm pouca relevância no país. Estas PPP caracterizam-se pela criação de uma nova pessoa colectiva da qual faz parte tanto o parceiro público como o privado, à qual cabe a execução e exploração de uma obra ou a prestação de um serviço em benefício das populações.

As PPP diferenciam-se dos contratos administrativos tradicionais essencialmente por serem contratos duradouros de execução continuada, são complexos (representam uma união de contratos), são normalmente uma forma de financiamento para a realização de grandes obras públicas e pressupõem uma transferência de risco de exploração para os privados bem como a transferência do desenvolvimento de uma actividade para fins de prossecução do interesse público.
As PPP actuais apresentam como contrapartida uma remuneração para os entes privados obtida através do designado Private Finance Iniciative (PFI). Esta fórmula contratual baseia-se em pagamentos regulares ao parceiro privado em alternativa ao sistema de cobrança de taxas aos utentes e insere-se no conceito de concessão de serviços públicos (um dos principais tipos contratuais em PPP) exposto no Código dos Contratos Públicos (CCP) através do seu artigo 407 nº2.
Uma das características essenciais das parcerias público-privadas baseia-se na necessidade de se garantir uma partilha efectiva do risco entre o parceiro público e o parceiro privado. O sucesso de uma PPP depende em grande medida de um levantamento prévio que permita antever a maioria dos riscos associados para que a sua repartição se efectue de acordo com a capacidade de cada uma das partes para gerir esse risco e assegure uma significativa e efectiva transferência de risco para o sector privado (cfr. artigo 7.º, n.º 1 e artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 111/2012).
Porém, uma das questões mais controversas em matéria de PPP relaciona-se com o desequilíbrio na distribuição do risco contratualmente assumido. Sempre que o Estado procede a uma modificação unilateral no contrato (o que acontece com muita frequência, em virtude de os responsáveis políticos, aquando da assinatura deste tipo de contrato, não preverem todas as condicionantes futuras), os parceiros privados exigem um processo de reequilíbrio financeiro para garantir a manutenção das condições de lucro inicialmente contratualizadas, que é financiado pelo erário público.
A longa duração dos contratos de PPP aumenta indubitavelmente a probabilidade de ocorrerem alterações de algumas variáveis inicialmente previstas. Neste sentido, torna-se necessária a adopção de mecanismos de renegociação periódica que permitam salvaguardar a viabilidade da parceria, a rentabilidade dos parceiros privados e a prestação dos serviços públicos.

Note-se que o artigo 313º do CCP impõe limites à modificação do contrato como forma de salvaguardar o respeito pelos princípios da concorrência e da intangibilidade das prestações principais abrangidos pelo objecto do contrato. A violação destes limites pode consubstanciar a celebração de um novo contrato que, não estando sujeito a um procedimento pré-contratual, será passível de impugnação judicial. Contudo, tal norma se interpretada literalmente colidiria com o próprio poder de ius variandi do contraente público ao reduzi-lo ao mero poder de modificar prestações secundárias ou acessórias do contrato. Não se pode, contudo, deixar de notar que a restrição quanto à modificação dos contratos imposta pelo artigo 313º vê no seu nº2 uma certa abertura perante contratos de natureza duradoura, como são exemplo as PPP, em que o decurso do tempo pode constituir uma causa para a sua modificação.
De acordo com o artigo 314º nº1 do CCP, uma das consequências resultantes da modificação do contrato por alteração das circunstâncias imputáveis ao contraente público é a reposição do equilíbrio financeiro (REF) que, por sua vez, está previsto no artigo 282º CCP. Quanto aos restantes casos de alteração das circunstâncias, o nº2 do artigo 314º determina haver lugar apenas à modificação do contrato ou a uma compensação financeira, segundo critérios de equidade.
A reposição do equilíbrio financeiro funda-se na teoria do equilíbrio financeiro do contrato administrativo segundo a qual sempre que por modificação do contrato em resultado da actuação unilateral da Administração há prejuízo para o co-contratante, existe uma obrigação de indemnização. O Professor Paulo Otero refere-se à REF como sendo “um preço que a Administração tem de pagar por derrogar, dentro dos limites da lei – pois, caso contrário haveria responsabilidade contratual – o princípio da estabilidade dos contratos”. O princípio do equilíbrio financeiro consiste numa contrapartida indemnizatória ao co-contratante, sempre que a relação inicial seja afectada por actos do contraente público mesmo que exercidos fora da relação contratual. Os critérios para a reposição do equilíbrio financeiro do contrato estão previstos no artigo 282º do CCP. O objectivo é restaurar a equação económico-financeira inicial que foi afectada sempre que se verifiquem as duas situações previstas no artigo 314º, nº1, alíneas a) e b).
Destaque ainda para o facto de que o valor de REF “corresponde ao necessário para repor a proporção financeira em que assentou inicialmente o contrato “não podendo colocar em situação mais favorável que a que resultava do equilíbrio financeiro inicialmente estabelecido (…) e não podendo cobrir eventuais perdas que já decorriam desse equilíbrio ou eram inerentes ao risco próprio do contrato” (282º nº 5 e nº6).
A reposição do equilíbrio financeiro só constitui um dever, para o contraente público, no caso de modificação do contrato por razões de interesse público ou por alteração das circunstâncias, provocada por ato do contraente público adoptado fora do exercício do seus poderes de conformação da relação contratual. É o que decorre expressamente do artigo 314º, nº1 do CCP, que afasta este dever no caso da modificação por alteração anormal e imprevisível das circunstâncias, impondo como consequência a modificação do contrato ou uma compensação financeira segundo a equidade (nº2 do artigo 314º do CCP).

Importa sublinhar que a reposição do equilíbrio financeiro implica a execução do contrato e não a sua resolução. Isto é, nos casos de resolução do contrato (artigos 332º a 335º do CCP), nunca haverá lugar à reposição do equilíbrio financeiro. A questão da reposição do equilíbrio financeiro, como direito do co-contratante, pressupõe que este vai concordar e executar as modificações ao contrato inicial. Quando o parceiro público resolve o contrato por razões de interesse público, nada se vai “repor” verificando-se apenas o pagamento de uma justa indemnização ao co-contratante quando a resolução resulta de uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias imputável a decisão do contraente público adoptada fora do exercício dos seus poderes de conformação contratual (314º) ou quando a resolução deriva de incumprimento do contraente público, conforme resulta da enumeração exemplificativa do artigo 332º, nº1, alínea b) e seguintes do CCP.

Uma das críticas frequentemente apontadas às PPP prende-se ainda com a forma confidencial como têm sido tratadas o que acarreta frequentemente resultados financeiros desastrosos. Contrariamente a outros países, a Administração Pública portuguesa é acusada de assumir muitos compromissos que não são orçamentados. O artigo 31º da Lei de Enquadramento Orçamental, que define que nos orçamentos anuais do Estado têm de ser definidos os limites máximos para a despesa, devem incluir os encargos com o funcionamento, investimento e os limites para a dívida pública assim como para a assunção de despesa com contratos como as PPP. Contudo, nos últimos anos, este limite nunca apareceu nos orçamentos do Estado. Como já referido em pontos anteriores, tradicionalmente, as PPP eram concessões de serviços públicos em que a remuneração vinha do utilizador, não existindo encargos para o contribuinte, pelo que não se reflectiam no Orçamento de Estado. Inicialmente, os projectos de PPP não faziam parte do Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC), por haver receita directa do utilizador. Criou-se assim a ideia de que as PPP não tinham de ser orçamentadas. O investimento em PPP não era contabilizado como despesa pública, sendo por isso uma estratégia eficaz de desorçamentação do investimento público, empurrando para o futuro a despesa de investimento. 

Face ao exposto anteriormente, podem ser tecidas algumas recomendações quanto à forma como as PPP devem, no futuro, ser estabelecidas. Uma delas passa pela importância da transparência no processo de tomada de decisão política. As PPP, representando um investimento que faz recair um ónus financeiro sobre gerações futuras, deverão ser exemplares neste capítulo. A divulgação dos estudos que estão na base da decisão de lançamento da PPP devem ser públicos e amplamente debatidos, visando maior transparência da decisão política. O facto de a tomada de decisão política em relação a qualquer PPP ser anterior ao ónus financeiro da mesma para o sector público significa que há tendência para os governos lançarem PPP em excesso, dado que podem retirar um benefício político no lançamento dos projectos, realizar algum encaixe financeiro imediato e transferir para os governos seguintes o ónus da despesa e de acrescidos impostos para os financiar.

Considero que as PPP serão sempre uma boa resposta ao esforço que o Estado faz para satisfazer o país com serviços e infra estruturas num contexto de restrições orçamentais. Contudo, o lançamento de uma PPP não pode nem deve prescindir de uma decisão bem fundamentada que pressupõe o conhecimento de todos os riscos, o respeito pela solidariedade intergeracional, a necessidade de uma centralização de processos em entidades de acompanhamento das parcerias e, acima de tudo, uma não cedência aos interesses do parceiro privado, muitas vezes melhor preparado do ponto de vista jurídico nos processos de renegociação.
 
Filipe Martins
nº24969

Sem comentários:

Enviar um comentário