Portugal afigura-se como um dos
países que ao nível europeu mais se tem destacado relativamente ao seu
investimento em parcerias público privadas (PPP). Segundo dados publicados pelo
Eurostat de 2015, os encargos com este tipo de contratos representam 5,12% do
Produto Interno Bruto (PIB), o segundo valor mais alto entre os países da União
Europeia.
Durante a última década assistiu-se em Portugal a um aumento
exponencial de PPP associado à modificação do paradigma de intervenção do
Estado na economia que passou de um modelo de intervenção directa, fruto da
revolução de 25 de Abril de 1974, marcando ainda toda a década de 80, para um
modelo de intervenção indirecta na sequência das privatizações entretanto
ocorridas bem como do impulso regulatório proveniente da União Europeia. O
recurso a PPP foi igualmente motivado em razão dos constrangimentos orçamentais
verificados a partir de 1997, ano a partir do qual Portugal ficou vinculado ao
Pacto de Estabilidade e Crescimento o que, atendendo ao facto do crescimento da
dívida pública ter passado a estar condicionado pela União Europeia, levou à
celebração das PPP como forma de obtenção de financiamento privado imediato que
não se reflectia no Orçamento de Estado.
Nesta perspectiva, importa lançar um olhar crítico sobre as
PPP uma vez que as fortes restrições orçamentais podem criar situações
delicadas face aos compromissos assumidos neste tipo de contratos.
Consequentemente, tem sido colocado em debate a imperiosa necessidade de rever
ou renegociar tais contratos atendendo ao princípio da prossecução do interesse
público.
Não existindo uma definição única do que é uma PPP, ela pode ser descrita
como um contrato entre o sector público e uma entidade privada em que esta
última presta um serviço pelo qual é remunerada pela entidade pública. O Estado
assume-se concedente e o privado concessionário. Através da PPP, o privado fica
responsável por diversas fases do processo: concepção, construção,
financiamento, manutenção e exploração da infra-estrutura ou do serviço.
No plano
jurídico, a definição de PPP encontra-se consagrada no DL nº 111/2012, de 23 de
Maio, que nos termos do seu artigo 2º, nº 1 entende como PPP “o contrato ou união de contratos por via dos
quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de
forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar, mediante
contrapartida, o desenvolvimento privado de uma actividade tendente à
satisfação de uma necessidade colectiva, em que a responsabilidade pelo
investimento, financiamento, exploração e riscos associados incubem, no todo ou
em parte, ao parceiro privado”.
Em 2004, a
Comissão Europeia lançou o Livro Verde sobre as PPP, constituindo o principal
contributo comunitário sobre a matéria. O Livro Verde enquadra-as como “formas
de cooperação entre as autoridades públicas e as empresas, tendo por objectivo
assegurar o financiamento, a construção, a renovação, a gestão ou a manutenção
de uma infraestrutura ou a prestação de um serviço”. Ainda segundo este
documento, as PPP podem
diferenciar-se em contratuais ou institucionais. As contratuais são aquelas
cujo envolvimento do sector privado com o sector público para a prossecução de
fins de interesse público é maior e corresponde ao modelo mais utilizado em
Portugal, ao invés das PPP institucionais que têm pouca relevância no país.
Estas PPP caracterizam-se pela criação de uma nova pessoa colectiva da qual faz
parte tanto o parceiro público como o privado, à qual cabe a execução e
exploração de uma obra ou a prestação de um serviço em benefício das
populações.
As PPP diferenciam-se dos contratos administrativos tradicionais
essencialmente por serem contratos duradouros de execução continuada, são complexos
(representam uma união de contratos), são normalmente uma forma de
financiamento para a realização de grandes obras públicas e pressupõem uma
transferência de risco de exploração para os privados bem como a transferência
do desenvolvimento de uma actividade para fins de prossecução do interesse público.
As PPP actuais apresentam como contrapartida uma remuneração
para os entes privados obtida através do designado Private Finance Iniciative (PFI). Esta fórmula contratual baseia-se em
pagamentos regulares ao parceiro privado em alternativa ao sistema de cobrança
de taxas aos utentes e insere-se no conceito de concessão de serviços públicos
(um dos principais tipos contratuais em PPP) exposto no Código dos Contratos
Públicos (CCP) através do seu artigo 407 nº2.
Uma das características essenciais
das parcerias público-privadas baseia-se na necessidade de se garantir uma
partilha efectiva do risco entre o parceiro público e o parceiro privado. O sucesso de uma PPP depende em grande medida de um
levantamento prévio que permita antever a maioria dos riscos associados para
que a sua repartição se efectue de acordo com a capacidade de cada uma das
partes para gerir esse risco e assegure uma significativa e efectiva
transferência de risco para o sector privado (cfr. artigo 7.º, n.º 1 e artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 111/2012).
Porém, uma das questões mais controversas em
matéria de PPP relaciona-se com o desequilíbrio na distribuição do risco
contratualmente assumido. Sempre que o Estado procede a uma modificação unilateral no contrato
(o que acontece com muita frequência, em virtude de os responsáveis políticos,
aquando da assinatura deste tipo de contrato, não preverem todas as
condicionantes futuras), os parceiros privados exigem um processo de
reequilíbrio financeiro para garantir a manutenção das condições de lucro
inicialmente contratualizadas, que é financiado pelo erário público.
A longa duração dos
contratos de PPP aumenta indubitavelmente a probabilidade de ocorrerem
alterações de algumas variáveis inicialmente previstas. Neste sentido, torna-se
necessária a adopção de mecanismos de renegociação periódica que permitam
salvaguardar a viabilidade da parceria, a rentabilidade dos parceiros privados
e a prestação dos serviços públicos.
Note-se que o artigo 313º do CCP impõe limites à modificação
do contrato como forma de salvaguardar o respeito pelos princípios da
concorrência e da intangibilidade das prestações principais abrangidos pelo
objecto do contrato. A violação destes limites pode consubstanciar a celebração
de um novo contrato que, não estando sujeito a um procedimento pré-contratual,
será passível de impugnação judicial. Contudo, tal norma se interpretada
literalmente colidiria com o próprio poder de ius variandi do contraente público ao reduzi-lo ao mero poder de
modificar prestações secundárias ou acessórias do contrato. Não se pode,
contudo, deixar de notar que a restrição quanto à modificação dos contratos
imposta pelo artigo 313º vê no seu nº2 uma certa abertura perante contratos de
natureza duradoura, como são exemplo as PPP, em que o decurso do tempo pode
constituir uma causa para a sua modificação.
De acordo com o artigo 314º nº1 do CCP, uma das consequências
resultantes da modificação do contrato por alteração das circunstâncias
imputáveis ao contraente público é a reposição do equilíbrio financeiro (REF)
que, por sua vez, está previsto no artigo 282º CCP. Quanto aos restantes casos
de alteração das circunstâncias, o nº2 do artigo 314º determina haver lugar
apenas à modificação do contrato ou a uma compensação financeira, segundo
critérios de equidade.
A reposição do equilíbrio financeiro funda-se na teoria
do equilíbrio financeiro do contrato administrativo segundo a qual sempre que por modificação do contrato
em resultado da actuação unilateral da Administração há prejuízo para o
co-contratante, existe uma obrigação de indemnização. O Professor Paulo Otero refere-se à REF como sendo “um preço que a Administração tem de pagar
por derrogar, dentro dos limites da lei – pois, caso contrário haveria responsabilidade
contratual – o princípio da estabilidade dos contratos”. O princípio do
equilíbrio financeiro consiste numa contrapartida indemnizatória ao
co-contratante, sempre que a relação inicial seja afectada por actos do
contraente público mesmo que exercidos fora da relação contratual. Os critérios para a reposição do
equilíbrio financeiro do contrato estão previstos no artigo 282º do CCP. O
objectivo é restaurar a equação económico-financeira inicial que foi afectada
sempre que se verifiquem as duas situações previstas no artigo 314º, nº1,
alíneas a) e b).
Destaque ainda para o facto de que o valor de REF “corresponde ao necessário para repor a
proporção financeira em que assentou inicialmente o contrato “não podendo
colocar em situação mais favorável que a que resultava do equilíbrio financeiro
inicialmente estabelecido (…) e não podendo cobrir eventuais perdas que já
decorriam desse equilíbrio ou eram inerentes ao risco próprio do contrato” (282º
nº 5 e nº6).
A reposição
do equilíbrio financeiro só constitui um dever, para o contraente público, no
caso de modificação do contrato por razões de interesse público ou por
alteração das circunstâncias, provocada por ato do contraente público adoptado
fora do exercício do seus poderes de conformação da relação contratual. É o que
decorre expressamente do artigo 314º, nº1 do CCP, que afasta este dever no caso da modificação por alteração
anormal e imprevisível das circunstâncias, impondo como consequência a
modificação do contrato ou uma compensação financeira segundo a equidade (nº2
do artigo 314º do CCP).
Importa sublinhar que a reposição do equilíbrio
financeiro implica a execução do contrato e não a sua resolução. Isto é, nos
casos de resolução do contrato (artigos 332º a 335º do CCP), nunca haverá lugar
à reposição do equilíbrio financeiro. A questão da reposição do equilíbrio
financeiro, como direito do co-contratante, pressupõe que este vai concordar e
executar as modificações ao contrato inicial. Quando o parceiro público resolve
o contrato por razões de interesse público, nada se vai “repor” verificando-se
apenas o pagamento de uma justa indemnização ao co-contratante quando a
resolução resulta de uma alteração anormal e imprevisível das circunstâncias
imputável a decisão do contraente público adoptada fora do exercício dos seus
poderes de conformação contratual (314º) ou quando a resolução deriva de
incumprimento do contraente público, conforme resulta da enumeração
exemplificativa do artigo 332º, nº1, alínea b) e seguintes do CCP.
Uma das
críticas frequentemente apontadas às PPP prende-se ainda com a forma
confidencial como têm sido tratadas o que acarreta frequentemente resultados
financeiros desastrosos. Contrariamente a outros países, a Administração
Pública portuguesa é acusada de assumir muitos compromissos que não são
orçamentados. O artigo 31º da Lei de Enquadramento Orçamental, que define que
nos orçamentos anuais do Estado têm de ser definidos os limites máximos para a
despesa, devem incluir os encargos com o funcionamento, investimento e os
limites para a dívida pública assim como para a assunção de despesa com
contratos como as PPP. Contudo, nos últimos anos, este limite nunca apareceu
nos orçamentos do Estado. Como já referido em pontos anteriores,
tradicionalmente, as PPP eram concessões de serviços públicos em que a
remuneração vinha do utilizador, não existindo encargos para o contribuinte,
pelo que não se reflectiam no Orçamento de Estado. Inicialmente, os projectos
de PPP não faziam parte do Programa de Investimentos e Despesas de
Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC), por haver receita directa do
utilizador. Criou-se assim a ideia de que as PPP não tinham de ser
orçamentadas. O investimento em PPP não era contabilizado como despesa pública,
sendo por isso uma estratégia eficaz de desorçamentação
do investimento público, empurrando para o futuro a despesa de
investimento.
Face
ao exposto anteriormente, podem ser tecidas algumas recomendações quanto à
forma como as PPP devem, no futuro, ser estabelecidas. Uma delas passa pela
importância da transparência no processo de tomada de decisão política. As PPP,
representando um investimento que faz recair um ónus financeiro sobre gerações
futuras, deverão ser exemplares neste capítulo. A divulgação dos estudos que estão
na base da decisão de lançamento da PPP devem ser públicos e amplamente
debatidos, visando maior transparência da decisão política. O facto de a tomada
de decisão política em relação a qualquer PPP ser anterior ao ónus financeiro
da mesma para o sector público significa que há tendência para os governos
lançarem PPP em excesso, dado que podem retirar um benefício político no
lançamento dos projectos, realizar algum encaixe financeiro imediato e
transferir para os governos seguintes o ónus da despesa e de acrescidos
impostos para os financiar.
Considero
que as PPP serão sempre uma boa resposta ao esforço que o Estado faz para
satisfazer o país com serviços e infra estruturas num contexto de restrições
orçamentais. Contudo, o lançamento de uma PPP não pode nem deve prescindir de
uma decisão bem fundamentada que pressupõe o conhecimento de todos os riscos, o
respeito pela solidariedade intergeracional, a necessidade de uma centralização
de processos em entidades de acompanhamento das parcerias e, acima de tudo, uma
não cedência aos interesses do parceiro privado, muitas vezes melhor preparado
do ponto de vista jurídico nos processos de renegociação.
Filipe Martins
nº24969
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