sábado, 28 de maio de 2016

Precedência de lei (paradigma do agere administrativo sob a realidade europeia)


A lei como pressuposto e fundamento do agere administrativo teve génese no princípio de legalidade, como reação do Liberalismo ao regime absolutista, como forma de subordinar a atuação administrativa à vontade popular e assegurar a previsibilidade e a mensurabilidade das actuações dos poderes públicos pelos cidadãos, cujo pressuposto foi materializado no artigo 6.º da Convenção dos Direitos do Homem e do Cidadão e acolhido pela Constituição de 1822, no artigo 104.º “Lei é a vontade dos cidadãos declarada pela unanimidade ou pluralidade dos votos dos seus representantes juntos em Cortes, precedendo discussão pública”.

No que respeita aos regulamentos administrativos esta exigência encontra-se expressamente consagrada no artigo 112º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa, que impõe o dever de citação da lei habilitante.

VIEIRA DE ANDRADE afirma que a lei habilitante deverá ser dotada de “conteúdo mínimo”, impondo a definição do interesse público a satisfazer através da ação administrativa (fim) e dos órgãos encarregados da prática dos necessários actos administrativos (competência).

O princípio da precedência de lei poderá ser entendido, segundo MARCELO REBELO DE SOUSA, como um princípio preferência pela decisão normativa dotada de legitimidade democrática representativa directa ou imediata na medida em que a definição dos fins e das competências do agere administrativo encontra fundamento nas leis da Assembleia da República, nos decretos-leis do Governo, e nos decretos-legislativos regionais das Assembleias Administrativas Regionais.

O aprofundamento da integração europeia, com a progressiva transferência de competências dos Estados Membros a favor da União de Europeia, tem viabilizado a substituição de atos legislativos nacionais por atos internacionais, sobretudo europeus, cujos regulamentos são dotados de aplicabilidade direta, delineando uma nova dimensão da reserva de lei, baseada no princípio da precedência de atos de direito europeu/internacional, mercê da dispensa de intervenção de órgãos estaduais nacionais para que tais normativos produzam efeitos imediatos, tal como decorre do artigo 8, n.º 1 e n.º 3, da Constituição da República Portuguesa e do próprio Tratado de Funcionamento da União Europeia, artigos 288.º e 289.º.

Neste sentido, ANA GONÇALVES MONIZ aponta a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância da União Europeia, que em 1999, no âmbito do processo T-15 8/95A proferiu acórdão declarando que a “aplicabilidade directa do regulamento não constitui obstáculo a que o próprio texto do regulamento habilite uma instituição comunitária ou um Estado a adotar medidas de aplicação”, e de no caso Francesco Bussone, o Tribunal de Justiça da União Europeia ter afirmado da possibilidade dos regulamentos atribuírem aos Estados Membros um poder discricionário na adoção das medidas necessárias à sua operatividade.

Fernando Vilelas, n.º 26551,


Bibliografia:
MARCELO REBELO DE SOUSA / ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Tomo I, 5ª ed., 2014.
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 2º ed. Coimbra, 2015.
DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Coimbra, Vol. I, 4ª ed., 2015, e Vol. II, 3ª ed. 2016.
JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, Imprensa da Universidade de Coimbra, 4ª ed., 2015.
ANA RAQUEL GONÇALVES MONIZ, Casos Práticos Direito Administrativo, Coimbra, 2ª ed., 2015.

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