terça-feira, 31 de maio de 2016

Os limites da atuação da Administração Pública

    Quando não encontra a sua atuação vinculada – para além de matéria do fim e da competência, os quais são sempre elementos vinculados -, em princípio, ou melhor, em teoria, a atuação da Administração Pública (AP) goza de discricionariedade, de uma margem de livre decisão podendo escolher o modo da sua atuação, conforme entende ser mais adequado.
Contudo, a questão não é de todo assim tão linear.
    Em primeiro lugar, a AP encontra-se desde logo limitada pela prossecução do interesse público, sendo ele o seu “norte”, nas palavras do Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa. Aliás, este princípio administrativo encontra a sua explanação no artigo 266º/1, sendo desse modo individualizado “em termos categóricos”. Por este motivo, não cabe a AP decidir o interesse público a prosseguir, antes se deve cingir ao princípio da legalidade, obedecendo à precedência e preferência de lei.
   Por este motivo, a AP não deve, não pode, prosseguir interesses privados, sob pena de ilegalidade, por desvio de poder, gerando a nulidade do ato, nos termos do artigo 161º CPA; não querendo com isto dizer que a sua atuação não possa afetar de modo positivo os particulares, mas antes não pode ter como fim o alcance dessa vantagem. Cumulativamente, a AP, na prossecução do interesse público, deve, como anteriormente dito, prosseguir apenas os interesses expressamente definidos por lei.
   No entanto, apesar desta limitação, dentro dela, a AP disfruta ainda de uma margem de livre decisão, na medida em que lhe cabe decidir, por força da indeterminação do conceito “interesse público”, qual a melhor forma de o atingir.
   Em segundo lugar, a atuação da Administração sofre ainda de outra medida de controlo, na medida em que se encontra sujeita ao princípio da proporcionalidade.
Pese embora ser encarado como um todo, encontramos neste princípio administrativo três dimensões.    Assim, a atuação administrativa deve ser adequada, na medida em que deve pautar-se por condutas aptas ao fim que visam atingir; deve ser necessária, no sentido em que o ato levado a cabo seja indispensável para a prossecução de certo fim, escolhendo o meio menos lesivo para os interesses envolvidos; e deve, por fim, ser razoável, não dando origem a custos superiores aos benefícios retirados da sua atuação. Deste modo, se uma destas vertentes se encontra violada, todo o princípio se encontra violado.
Outra limitação administrativa é o princípio da imparcialidade, constitucionalmente consagrado no artigo 266ª/2 CRP. Na sua vertente negativa, a AP encontra-se proibida de, em cada caso concreto, ponderar interesses, privados ou públicos, que em nada se relacionem com o interesse legal a prosseguir. Na sua vertente positiva, este princípio impõe à AP que, anteriormente à tomada de decisão, esta considere todos os interesses, públicos ou privados, relevantes para a tomada de decisão.
   Este princípio em nada nos aponta para qual a decisão a tomar; antes nos diz que, seja ela qual for, tem de obedecer a um parâmetro de imparcialidade, não considerando interesses que sejam, objetivamente, irrelevantes.
   Para além dos princípios até agora enunciados, a AP encontra-se de igual forma limitada pelo princípio da boa-fé que, apesar de ter uma maior relevância em sede de direito privado, vem restringir a AP, na medida em que esta, em toda a sua atuação, deve procurar a obtenção de resultados efetivos, não se satisfazendo com comportamentos que falhem em atingi-los substancialmente, preenchendo assim o trâmite da primazia da materialidade subjacente.
   Mais relevante, do ponto de vista administrativo, é o princípio da tutela da confiança, na medida em que a AP deve salvaguardar os sujeitos jurídicos contra atuações injustificadamente imprevisíveis daqueles com quem se relacionem. Assim, deve a sua atuação, quer na manutenção da situação, quer na adoção de outras condutas, deve criar confiança jurídica; deve, de forma a se observar, haver uma convicção da parte do destinatário de que existe confiança jurídica; da mesma maneira, através de ações ou omissões, a AP deve fazer um investimento de confiança, devendo, por fim, haver um nexo de causalidade entre a atuação que gera confiança e a situação de confiança.
   Para além do que já ficou dito, ao falarmos num plano individual da justiça, encontramos subjacentes os princípios da
igualdade e da proporcionalidade, na medida em que valores impostos a um (quer ao Estado, quer
aos cidadãos), devem ser impostos aos outros de forma proporcional.
    Deste modo, ser justo é tratar de modo igual o que é igual e não agir excessivamente para
além da medida adequada.
Quando este princípio é manifestamente violado, gerará por sua vez responsabilidade civil.

   Assim, a justiça deve ser suficientemente abrangente para poder ser adotado como instrumento de interpretação e crítica do direito positivo; deve ser imposta, tanto ao Estado, devendo este cumprir esse dever para com os cidadãos; como aos cidadãos, que a devem cumprir para com os outros. Deve dar a cada um o que lhe é devido - assim, ao ser humano são inerentes direitos sociais, direitos esses que nem todos possuem, sendo então, à luz do princípio da justiça, obrigação do Estado proporcionar-lhes isso, sem esquecer o respeito pela dignidade humana.

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