domingo, 22 de maio de 2016

O Princípios Constitucionais e a Administração Pública



Existe na Constituição vários princípios que têm carácter jurídico-administrativo pois têm como finalidade orientar a Administração a fim de se garantir os pressupostos de um Estado de Direito Democrático (art.º 2 da CRP), pelo que irem especificar cada um deles, mas antes de começar a enunciar esses vários princípios que se encontram previstos na constituição, penso que convém fazer uma breve distinção entre estes e as regas, pois ambos constam no nosso texto constitucional como em diversos diplomas legislativos.
As regras são disposições vinculativas que têm como objectivo impor uma determinada conduta, aqui não são utilizadas expressões vagas a fim de evitar desvios quanto à forma de actuar, as regras exigem um acatamento severo, em que são remetidas proibições ou permissões em termos definidos e pouco ambíguos.
Já os princípios agem em sentido contrário, em que, ao invés de imporem uma determinada forma de agir, o que pretendem é dentro da melhor forma possível, a concretização de um fim, mas claro que a forma de concretização ou de agira conduta a ter está encaminhada pelo princípio ou princípios em causa.
A título de exemplo, o art. 13 nº3 do Código da Estrada, impõem uma forma de actuação: “Sempre que, no mesmo sentido, existam duas ou mais vias de trânsito, este deve fazer-se pela via mais à direita, ... “, nesta norma encontramos uma exigência de actuação, ao contrário do art.º 227 nº1 do Código Civil, - “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.” – que não impõem uma forma de actuação, mas sim pretende uma determinada conduta  a fim de visar um determinado resultado.
Da nossa Constituição de 1976 resultam princípios que são deveras importantes para o Direito Administração, pois têm como objectivo delimitar a conduta da Administração Pública e essa exigência de forma de agir vai mais além da necessidade da sua legalidade, e da sua violação não resulta apenas a ilegalidade, recordo que nos termos do art.º 3 nº3 da CRP, os actos do Estado e de quaisquer entidades públicas dependem da sua conformidade com a Constituição, pelo que se algum preceito expresso na Constituição não for respeitado por quaisquer entidades ao serviço da Administração Pública estamos perante uma inconstitucionalidade.
Começarei por um princípio que à primeira vista parece nada ter a ver com a Administração, contudo deve o mesmo aqui ser mencionado pois a sua transgressão tem como consequência para além da inconstitucionalidade a nulidade.
O princípio da Separação de Poderes e Interdependência encontra-se consagrado nos art.º 2 e 111 nº1 da CRP, e refere-se à relação de igualdade entre os órgãos de soberania (art.º 110 nº1), o que por sua vez implica que sendo o Governo o órgão superior da Administração Pública (art.º 182 da CRP) não pode outro órgão soberano actuar em seu nome, e vice-versa, não podendo assim nem o Governo ou outra entidade da Administração exercer funções de administração da justiça (função essa que cabe aos tribunais, art.º 202 nº1 da CRP) por exemplo. Não tendo o Governo em apenas esta competência (art.º 182 da CRP) caso este actue na Administração mas enquanto órgão de conduta política geral está a violar o princípio da separação de poderes.
Como antes referido, a violação deste princípio implica a nulidade do acto e esta consequência resulta do Código do Procedimento Administrativo, mais precisamente do seu art.º 161 nº2 alínea a), actos viciados de usurpação de poder.
Os restantes princípios constitucionais que têm como propósito conduzir e delimitar a administração pública encontram-se elencado de forma expressa no art.º 266 nº2 e são estes a igualdade, a proporcionalidade, a justiça, a imparcialidade e da boa-fé. Todavia consta neste mesmo artigo outros princípios constitucionais, que apesar de não estarem com a denominação de princípios não o deixam de ser, e estes são o princípio da prossecução do interesse público e da legalidade e encontram-se no nº1 do mesmo artigo.
Começando pelo princípio do interesse público, a sua definição não pode ser cristalina pois pelas causas que abaixo mencionarei verificar-se-á que o seu conceito pode sofrer mutações no decurso do tempo.
Citando São Tomás Aquino, o interesse público é “aquilo que é necessário para que os homens não apenas vivam, mas vivam bem”, e acrescentar mais preceitos pode condicionar esta noção no amanhã ou não seria aplicável no ontem, pois estando nós num Estado de Direito Democrático (art.º 2 da CRP) um dos seus corolários axiológicos é a reversibilidade das decisões, e isto deve-se ao facto de se estar aberto a acolher novas ideias e concepções, as normas criadas à luz de um estado com estas características não são imutáveis, podendo assim a própria noção de interesse público sofrer alterações.
Algo também importante a salientar é o facto de a constituição adoptar outros nomes ao longo seu texto para dizer o mesmo, nomeadamente interesse geral, utilidade pública, entre outros nomes, contudo todos têm como propósito o bem comum e o interesse da colectividade.
O nascimento da Administração Pública tem como único e propósito a prossecução deste princípio, contudo a lei confere ao respectivo organismo (serviço, instituto, etc) os fins que deve cada um prosseguir, pelo que encontra-se assim a Administração limitada pela lei (princípio infra mencionado).
Quando se verifica que o fim real da actuação da Administração é diferente ao fim legal (fim que lhe foi conferido através de lei) estamos perante um vício da actuação Administrativa, mais precisamente o desvio de poder e a consequência deste vício cf mencionado no artigo 161 nº2 e) é a nulidade, para além de se tratar de uma inconstitucionalidade.
Quando o desvio de poder não tem como origem uma má interpretação e o seu fim e é simplesmente corrupção, onde o autor agiu de forma propositada e desconforme à legalidade estamos perante corrupção, e nestes casos deve esse mesmo agente ser responsabilizado civil, criminal e disciplinarmente pela sua forma de actuação (art.º 271 nº1 da CRP), e não esquecendo que o governo sendo o órgão superior hierárquico da Administração Pública, encontra-se igualmente sujeito ao mencionado dessa norma assim como subordinado à disposição do art.º 117 nº1 da CRP. Aqui verifica-se outro princípio o da responsabilidade que também se encontra previsto no art.º 16 do CPA.
Como já referi, toda a forma de actuação da Administração encontra-se prevista na lei, pois mesmo que haja margem de discricionariedade, esta só é possível com habilitação legislativa e nos parâmetros impostos por essa. Os regulamentos emanados pela Administração, inclusive pelo Governo, têm que fazer menção ao acto legislativo que o autoriza (art.º 112 nº7 da CRP).
Este princípio tem sofrido mutações ao longo da história do direito Administrativo, e o seu caminho tem sido inverso ao do poder discricionário, encontrando-se este último cada vez mais limitado, inclusive pela lei e o princípio da legalidade cada vez mais forte e predominante.
Ao contrário do Direito Civil, em que as pessoas dispõem da autonomia privada, ou seja podem fazer tudo desde que a lei não o proíba, a Administração Pública actua em sentido diferente, podendo apenas fazer o que a lei lhe permite, cf enunciado no art.º 3 nº1 do CPA.
Voltando ao art.º 266 nº2 da CRP e aos seu demais princípios, o primeiro princípio enumerado é o princípio da igualdade, e este encontra-se igualmente previsto no CPA, art.º 6, e tem como propósito garantir o trato justo e adequado conforme as condições presentes, isto é, tratar igual o que é igual e tratar diferente o que é diferente, não podendo ser descartado nenhum elemento essencial para a tomada de decisão.
Este princípio acarreta duas vertentes distintas que têm como propósito garantir a igualdade por formas de actuação diferente, a vertente negativa e a vertente positiva.
Quando nos referimos a este princípio na vertente negativa, pretendemos com isto afastar a discriminação, cf expresso no art.º 13 nº2 da CRP, em que ninguém poderá ser prejudicado ou beneficiado em detrimento de outrem por questões de sexo, raça, orientação sexual ou por outros mais critérios de distinção discriminatórios.
Já quando se mencionada este princípio na sua vertente positiva o intuito é diferente, neste preceito a diferenciação é necessária para que a actuação da Administração seja o mais justa e adequada possível, e como exemplo (não da actuação da administração mas deste princípio e nesta vertente), temos o art.º 103 nº1 e 2 da CRP, quanto ao sistema fiscal, em que se está perante uma justiça distributiva, e como Aristóteles descreve a justiça na sua obra Ética a Nicómaco, “uma função rectificadora da justiça legal”.
Uma nota relevante para uma melhor compreensão do princípio da igualdade e do seu objectivo (solução mais justa e adequada), não há igualdade na ilegalidade, isto é, não pode um particular invocar a violação deste preceito em contraponto com uma ilegalidade, e assim obter o mesmo resultado. A título de exemplo temos o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo 12192/03, em que não é procedente a pretensão dos Recorrentes em virtude de estes pretenderem um trato igual resultante de uma ilegalidade, e como é bem mencionado desse texto, “nunca um acto ilegal poderia servir para conferir direitos assentes na própria ilegalidade, não havendo, como tem reafirmado a jurisprudência, direito à igualdade na ilegalidade.”
Princípio da proporcionalidade, este princípio encontra-se igualmente previsto no art.º 7 do CPA e a sua função é garantir que a actuação da Administração não exceda o meramente necessário. Este princípio tem três dimensões distintas, e quando da conduta da administração se verifica a violação de uma destas dimensões estamos perante a violação deste princípio, pois sem adequabilidade, equilíbrio ou necessidade não há proporcionalidade.
Tem que haver uma relação entre a forma de actuação e o fim visado (adequabilidade), e dentro das opções legais e possíveis, é preciso escolher a que menos lese o particular (necessidade) e após a ponderação destes dois pressupostos à que balancear o “custo/beneficio”, no sentido de verificar se as custas inerentes à decisão tomada serão ou não excessivas face ao fim a atingir (equilíbrio).
O princípio da justiça, sendo um princípio de princípios, como mencionado pelo Prof. Freitas do Amaral no seu manual Curso de Direito Administrativo Volume II, tem sofrido um esvaziamento ao longo da história.
No texto originário da Constituição de 1976, no artigo 267 nº2 os únicos princípios consagrados eram o da justiça e imparcialidade – “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar com justiça e imparcialidade no exercício das suas funções.
Contudo ao longo dos tempos, a doutrina, jurisprudência e o próprio legislador, foram extraindo deste artigo as bases dos princípios que advieram, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e igualdade (1989) – Art. 266º nº2 “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.” – e com a revisão de 1997, surge o princípio da boa-fé – Art.º 266 nº2 “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”
Com referia no parágrafo anterior um dos princípios derivados do princípio da justiça é o da imparcialidade, e este tem como propósito garantir que com a devida ponderação e isenção o agente decisor tomara a decisão devida a fim de garantir o interesse público ou privado do particular beneficiador.
Este princípio, que também consta no CPA, mais precisamente no art.9º 9 implica duas coisas, não só a consideração de todos os elementos necessários para decisão mais justa (dimensão positiva), como terá de ser isento, isto é, não pode o agente decisor beneficiar ou prejudicar o particular por questões pessoais e de amizade ou inimizade (vertente negativa).
Quanto à primeira dimensão mencionada o autor da decisão deverá averiguar a veracidade dos elementos e se estes são suficientes para a sua decisão, devendo em caso ausência de provas documentais, cf mencionado no art.º 58 e 117 nº1 do CPA, solicitar as mesmas a fim de decisão mais justa.
Quanto à dimensão negativa, aqui o agente terá ou poderá afastar-se do procedimento em virtude de estar em causa um possível conflito de interesses, e como mencionai, terá ou poderá, esta distinção tem a ver com o grau de aproximação, pois como se poderá verificar no CPA, os casos de impedimento (art.º 69 nº1 do CPA) em que há uma grande proximidade entre as partes, como se pode constatar na leitura deste artigo, o autor da decisão tem que se afastar, não podendo assim intervir de todo, sendo a consequência desta violação a anulabilidade da actuação, art.º 76 nº1 do CPA), quanto de uma proximidade não tão apertada, como resulta do art.º 73 do CPA, deverá o autor da decisão pedir escusa, nº1 deste artigo, ou caso alguém se sinta lesado pela decisão em virtude de verificar a violação da imparcialidade poderá deduzir suspeição (art.º 73 nº2 CPA), a consequência nestes casos encontra-se prevista no art.º 76 nº4 do CPA.
Apesar de ser o princípio da boa-fé o último mencionado no artigo 266 nº2 da CRP não deve contudo ser considerado como menos relevante, este princípio vem do direito privado e a sua vinculação não cabe em exclusivo à Administração, estando assim também o particular vinculado ao respeito deste princípio, que por sua vez é composto por dois subprincípios, o da primazia da materialidade e da tutela da confiança.
O princípio do primado da materialidade acaba por não ter muito relevo quanto à restrição da actuação da Administração, pois proíbe o exercício de posições jurídicas de modo desadequado em que se verifica um aproveitamento de uma ilegalidade, pois o princípio da legalidade condiciona o conteúdo deste princípio.
O princípio da tutela da confiança já se encontra direccionada em exclusivo para a Administração, não podendo esta mudar os critérios de decisão ou mesmo mudar disposições de regulamentos pois os particulares investem a sua confiança de acordo com o exposto da altura. Quando a Administração verifica que tem de mudar os seus critérios decisórios deve o fazer de forma devidamente fundamentada, art.º 268 nº3 da CRP.


Bárbara de Brito
Nº de aluno 24657




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