Existe na Constituição vários
princípios que têm carácter jurídico-administrativo pois têm como finalidade
orientar a Administração a fim de se garantir os pressupostos de um Estado de
Direito Democrático (art.º 2 da CRP), pelo que irem especificar cada um deles,
mas antes de começar a enunciar esses vários princípios que se encontram
previstos na constituição, penso que convém fazer uma breve distinção entre
estes e as regas, pois ambos constam no nosso texto constitucional como em
diversos diplomas legislativos.
As regras são disposições
vinculativas que têm como objectivo impor uma determinada conduta, aqui não são
utilizadas expressões vagas a fim de evitar desvios quanto à forma de actuar,
as regras exigem um acatamento severo, em que são remetidas proibições ou
permissões em termos definidos e pouco ambíguos.
Já os princípios agem em sentido
contrário, em que, ao invés de imporem uma determinada forma de agir, o que pretendem
é dentro da melhor forma possível, a concretização de um fim, mas claro que a
forma de concretização ou de agira conduta a ter está encaminhada pelo
princípio ou princípios em causa.
A título de exemplo, o art. 13
nº3 do Código da Estrada, impõem uma forma de actuação: “Sempre que, no mesmo sentido, existam duas ou mais vias de trânsito,
este deve fazer-se pela via mais à direita, ... “,
nesta norma encontramos uma exigência de actuação, ao contrário do art.º 227
nº1 do Código Civil, - “Quem negoceia com
outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na
formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder
pelos danos que culposamente causar à outra parte.” – que não impõem uma
forma de actuação, mas sim pretende uma determinada conduta a fim de visar um determinado resultado.
Da nossa Constituição de 1976
resultam princípios que são deveras importantes para o Direito Administração, pois
têm como objectivo delimitar a conduta da Administração Pública e essa
exigência de forma de agir vai mais além da necessidade da sua legalidade, e da
sua violação não resulta apenas a ilegalidade, recordo que nos termos do art.º
3 nº3 da CRP, os actos do Estado e de quaisquer entidades públicas dependem da
sua conformidade com a Constituição, pelo que se algum preceito expresso na
Constituição não for respeitado por quaisquer entidades ao serviço da
Administração Pública estamos perante uma inconstitucionalidade.
Começarei por um princípio que à
primeira vista parece nada ter a ver com a Administração, contudo deve o mesmo
aqui ser mencionado pois a sua transgressão tem como consequência para além da
inconstitucionalidade a nulidade.
O princípio da Separação de
Poderes e Interdependência encontra-se consagrado nos art.º 2 e 111 nº1 da CRP,
e refere-se à relação de igualdade entre os órgãos de soberania (art.º 110
nº1), o que por sua vez implica que sendo o Governo o órgão superior da Administração
Pública (art.º 182 da CRP) não pode outro órgão soberano actuar em seu nome, e
vice-versa, não podendo assim nem o Governo ou outra entidade da Administração
exercer funções de administração da justiça (função essa que cabe aos
tribunais, art.º 202 nº1 da CRP) por exemplo. Não tendo o Governo em apenas
esta competência (art.º 182 da CRP) caso este actue na Administração mas enquanto
órgão de conduta política geral está a violar o princípio da separação de
poderes.
Como antes referido, a violação
deste princípio implica a nulidade do acto e esta consequência resulta do
Código do Procedimento Administrativo, mais precisamente do seu art.º 161 nº2
alínea a), actos viciados de usurpação de poder.
Os restantes princípios
constitucionais que têm como propósito conduzir e delimitar a administração
pública encontram-se elencado de forma expressa no art.º 266 nº2 e são estes a
igualdade, a proporcionalidade, a justiça, a imparcialidade e da boa-fé.
Todavia consta neste mesmo artigo outros princípios constitucionais, que apesar
de não estarem com a denominação de princípios não o deixam de ser, e estes são
o princípio da prossecução do interesse público e da legalidade e encontram-se
no nº1 do mesmo artigo.
Começando pelo princípio do interesse
público, a sua definição não pode ser cristalina pois pelas causas que abaixo
mencionarei verificar-se-á que o seu conceito pode sofrer mutações no decurso
do tempo.
Citando São Tomás Aquino, o
interesse público é “aquilo que é necessário
para que os homens não apenas vivam, mas vivam bem”, e acrescentar mais
preceitos pode condicionar esta noção no amanhã ou não seria aplicável no
ontem, pois estando nós num Estado de Direito Democrático (art.º 2 da CRP) um
dos seus corolários axiológicos é a reversibilidade das decisões, e isto
deve-se ao facto de se estar aberto a acolher novas ideias e concepções, as
normas criadas à luz de um estado com estas características não são imutáveis, podendo
assim a própria noção de interesse público sofrer alterações.
Algo também importante a
salientar é o facto de a constituição adoptar outros nomes ao longo seu texto
para dizer o mesmo, nomeadamente interesse geral, utilidade pública, entre
outros nomes, contudo todos têm como propósito o bem comum e o interesse da
colectividade.
O nascimento da Administração
Pública tem como único e propósito a prossecução deste princípio, contudo a lei
confere ao respectivo organismo (serviço, instituto, etc) os fins que deve cada
um prosseguir, pelo que encontra-se assim a Administração limitada pela lei
(princípio infra mencionado).
Quando se verifica que o fim real
da actuação da Administração é diferente ao fim legal (fim que lhe foi
conferido através de lei) estamos perante um vício da actuação Administrativa,
mais precisamente o desvio de poder e a consequência deste vício cf mencionado no artigo 161 nº2 e) é a
nulidade, para além de se tratar de uma inconstitucionalidade.
Quando o desvio de poder não tem
como origem uma má interpretação e o seu fim e é simplesmente corrupção, onde o
autor agiu de forma propositada e desconforme à legalidade estamos perante
corrupção, e nestes casos deve esse mesmo agente ser responsabilizado civil,
criminal e disciplinarmente pela sua forma de actuação (art.º 271 nº1 da CRP),
e não esquecendo que o governo sendo o órgão superior hierárquico da
Administração Pública, encontra-se igualmente sujeito ao mencionado dessa norma
assim como subordinado à disposição do art.º 117 nº1 da CRP. Aqui verifica-se
outro princípio o da responsabilidade que também se encontra previsto no art.º
16 do CPA.
Como já referi, toda a forma de
actuação da Administração encontra-se prevista na lei, pois mesmo que haja
margem de discricionariedade, esta só é possível com habilitação legislativa e
nos parâmetros impostos por essa. Os regulamentos emanados pela Administração,
inclusive pelo Governo, têm que fazer menção ao acto legislativo que o autoriza
(art.º 112 nº7 da CRP).
Este princípio tem sofrido
mutações ao longo da história do direito Administrativo, e o seu caminho tem
sido inverso ao do poder discricionário, encontrando-se este último cada vez
mais limitado, inclusive pela lei e o princípio da legalidade cada vez mais
forte e predominante.
Ao contrário do Direito Civil, em
que as pessoas dispõem da autonomia privada, ou seja podem fazer tudo desde que
a lei não o proíba, a Administração Pública actua em sentido diferente, podendo
apenas fazer o que a lei lhe permite, cf
enunciado no art.º 3 nº1 do CPA.
Voltando ao art.º 266 nº2 da CRP
e aos seu demais princípios, o primeiro princípio enumerado é o princípio da
igualdade, e este encontra-se igualmente previsto no CPA, art.º 6, e tem como
propósito garantir o trato justo e adequado conforme as condições presentes,
isto é, tratar igual o que é igual e tratar diferente o que é diferente, não
podendo ser descartado nenhum elemento essencial para a tomada de decisão.
Este princípio acarreta duas
vertentes distintas que têm como propósito garantir a igualdade por formas de
actuação diferente, a vertente negativa e a vertente positiva.
Quando nos referimos a este
princípio na vertente negativa, pretendemos com isto afastar a discriminação, cf expresso no art.º 13 nº2 da CRP, em
que ninguém poderá ser prejudicado ou beneficiado em detrimento de outrem por
questões de sexo, raça, orientação sexual ou por outros mais critérios de
distinção discriminatórios.
Já quando se mencionada este
princípio na sua vertente positiva o intuito é diferente, neste preceito a
diferenciação é necessária para que a actuação da Administração seja o mais
justa e adequada possível, e como exemplo (não da actuação da administração mas
deste princípio e nesta vertente), temos o art.º 103 nº1 e 2 da CRP, quanto ao
sistema fiscal, em que se está perante uma justiça distributiva, e como
Aristóteles descreve a justiça na sua obra Ética
a Nicómaco, “uma função rectificadora
da justiça legal”.
Uma nota relevante para uma
melhor compreensão do princípio da igualdade e do seu objectivo (solução mais
justa e adequada), não há igualdade na ilegalidade, isto é, não pode um
particular invocar a violação deste preceito em contraponto com uma ilegalidade,
e assim obter o mesmo resultado. A título de exemplo temos o Acórdão do Tribunal Central Administrativo
Sul, processo 12192/03, em que não é procedente a pretensão dos Recorrentes em
virtude de estes pretenderem um trato igual resultante de uma ilegalidade, e
como é bem mencionado desse texto, “nunca
um acto ilegal poderia servir para conferir direitos assentes na própria
ilegalidade, não havendo, como tem reafirmado a jurisprudência, direito à
igualdade na ilegalidade.”
Princípio da proporcionalidade,
este princípio encontra-se igualmente previsto no art.º 7 do CPA e a sua função
é garantir que a actuação da Administração não exceda o meramente necessário. Este
princípio tem três dimensões distintas, e quando da conduta da administração se
verifica a violação de uma destas dimensões estamos perante a violação deste
princípio, pois sem adequabilidade, equilíbrio ou necessidade não há
proporcionalidade.
Tem que haver uma relação entre a
forma de actuação e o fim visado (adequabilidade), e dentro das opções legais e
possíveis, é preciso escolher a que menos lese o particular (necessidade) e após
a ponderação destes dois pressupostos à que balancear o “custo/beneficio”, no
sentido de verificar se as custas inerentes à decisão tomada serão ou não
excessivas face ao fim a atingir (equilíbrio).
O princípio da justiça, sendo um
princípio de princípios, como mencionado pelo Prof. Freitas do Amaral no seu
manual Curso de Direito Administrativo Volume II, tem sofrido um esvaziamento
ao longo da história.
No texto originário da
Constituição de 1976, no artigo 267 nº2 os únicos princípios consagrados eram o
da justiça e imparcialidade – “Os órgãos
e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem
actuar com justiça e imparcialidade no exercício das suas funções.”
Contudo ao longo dos tempos, a
doutrina, jurisprudência e o próprio legislador, foram extraindo deste artigo
as bases dos princípios que advieram, nomeadamente os princípios da
proporcionalidade e igualdade (1989) – Art. 266º nº2 “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e
à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos
princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.”
– e com a revisão de 1997, surge o princípio da boa-fé – Art.º 266 nº2 “Os órgãos e agentes administrativos estão
subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas
funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da
justiça, da imparcialidade e da boa-fé.”
Com referia no parágrafo anterior
um dos princípios derivados do princípio da justiça é o da imparcialidade, e
este tem como propósito garantir que com a devida ponderação e isenção o agente
decisor tomara a decisão devida a fim de garantir o interesse público ou privado
do particular beneficiador.
Este princípio, que também consta
no CPA, mais precisamente no art.9º 9 implica duas coisas, não só a consideração
de todos os elementos necessários para decisão mais justa (dimensão positiva), como
terá de ser isento, isto é, não pode o agente decisor beneficiar ou prejudicar
o particular por questões pessoais e de amizade ou inimizade (vertente
negativa).
Quanto à primeira dimensão
mencionada o autor da decisão deverá averiguar a veracidade dos elementos e se estes são
suficientes para a sua decisão, devendo em caso ausência de provas documentais,
cf mencionado no art.º 58 e 117 nº1
do CPA, solicitar as mesmas a fim de decisão mais justa.
Quanto à dimensão negativa, aqui o
agente terá ou poderá afastar-se do procedimento em virtude de estar em causa
um possível conflito de interesses, e como mencionai, terá ou poderá, esta
distinção tem a ver com o grau de aproximação, pois como se poderá verificar no
CPA, os casos de impedimento (art.º 69 nº1 do CPA) em que há uma grande proximidade
entre as partes, como se pode constatar na leitura deste artigo, o autor da
decisão tem que se afastar, não podendo assim intervir de todo, sendo a consequência
desta violação a anulabilidade da actuação, art.º 76 nº1 do CPA), quanto de uma
proximidade não tão apertada, como resulta do art.º 73 do CPA, deverá o autor da decisão
pedir escusa, nº1 deste artigo, ou caso alguém se sinta lesado pela decisão em
virtude de verificar a violação da imparcialidade poderá deduzir suspeição (art.º
73 nº2 CPA), a consequência nestes casos encontra-se prevista no art.º 76 nº4
do CPA.
Apesar de ser o princípio da
boa-fé o último mencionado no artigo 266 nº2 da CRP não deve contudo ser considerado
como menos relevante, este princípio vem do direito privado e a sua vinculação
não cabe em exclusivo à Administração, estando assim também o particular
vinculado ao respeito deste princípio, que por sua vez é composto por dois subprincípios,
o da primazia da materialidade e da tutela da confiança.
O princípio do primado da
materialidade acaba por não ter muito relevo quanto à restrição da actuação da
Administração, pois proíbe o exercício de posições jurídicas de modo
desadequado em que se verifica um aproveitamento de uma ilegalidade, pois o
princípio da legalidade condiciona o conteúdo deste princípio.
O princípio da tutela da
confiança já se encontra direccionada em exclusivo para a Administração, não
podendo esta mudar os critérios de decisão ou mesmo mudar disposições de
regulamentos pois os particulares investem a sua confiança de acordo com o
exposto da altura. Quando a Administração verifica que tem de mudar os seus
critérios decisórios deve o fazer de forma devidamente fundamentada, art.º 268
nº3 da CRP.
Bárbara de Brito
Nº de aluno
24657
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