O Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa define
atos reais como condutas administrativas com carácter predominantemente
fáctico, sendo ele um superconceito que abarca diversos grupos de manifestações
do agir administrativo rebeldes à dissolução nas formas tradicionais da atuação
administrativa.
Deste modo, distingue, dentro deste superconceito, quatro tipo de atos
reais: simples atuações administrativas; atos materiais; omissões; atuações
informais.
De momento, cabe-nos focar nos dois primeiros, passando a analisa-los de
forma mais extensa.
Assim, para o autor, são simples atuações administrativas “os atos de
administração, unilaterais, não normativos e de gestão pública, sem vocação
para a produção de efeitos jurídicos próprios e que podem, quando muito,
produzir efeitos jurídicos instrumentais”, considerando-as, assim, uma
categoria residual em relação à do ato administrativo.
Compreende vários tipos de simples atuações administrativas, sendo,
dentro de outros mais, atos opinativos, na medida em que exprimem a opinião de
um órgão da Administração Pública acerca de questões de facto, podendo, entre
estes, encontrar-se várias categorias: a informação burocrática, que por seu
turno de destina a dar opinião, pelo subalterno, a um superior hierárquico para
que este se encontre habilitado a exercer uma competência sua; o parecer,
regulado nos artigos 91º e 92º do CPA, sendo ele uma opinião dada a um órgão
consultivo, com o objetivo de habilitar o órgão competente a decidir e, por
fim, a proposta de decisão que pese embora se identifique com o parecer, esta,
para além de uma opinião, fornece a formulação textual de uma possível decisão.
Da mesma forma, define os atos exortativos como um tipo de simples
atuação
administrativa, na medida em que estes contêm também uma opinião,
acrescentando um apelo a que essa decisão seja acatada pelo seu destinatário
que, apesar de não vinculativos, podem ter explícita ou implícita a ameaça de
uma reação administrativa subsequente em caso de não acatamento do apelo neles
contido, como são casos as recomendações e as advertências.
Outro tipo prende-se com os atos que visam permitir o conhecimento de,
ou a produção de efeitos por outros atos, tais como atos de notificação e
publicação (artigos 110º ss e 158º CPA), atas de reuniões de órgãos coletivos
ou diligências procedimentais realizadas oralmente, bem como alvarás, que
titulam a autorização ou licença de operações urbanísticas. Contudo, para o
Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa, existem atos deste tipo que são
qualificáveis como verdadeiros atos administrativos, na medida em que visam
também a produção de efeitos imputáveis ao seu próprio conteúdo decisório (atos
certificativos e integrativos), apesar de o Supremo Tribunal Administrativo
rejeitar expressamente esta qualificação, incluindo nessa rejeição os alvarás.
O autor refere-se também a declarações negociais e atos em matéria
contratual, mais concretamente quanto à preparação, celebração e vigência dos
contratos, considerando que a Administração Pública pratica atos unilaterais
puramente jurídicos que não visam produzir efeitos jurídicos por si próprios,
como é o caso dos convites a contratar, as consultas em procedimentos de
negociação, o próprio ato de celebração, etc. Contudo, não são simples atuações
administrativas os atos administrativos pré-contratuais e aqueles que,
praticados durante a execução dos contratos, traduzam o exercício de poderes
administrativos (artigo 302º CCP).
São, da mesma forma, considerados simples atuações administrativas os
atos sobre a existência, o conteúdo e a extensão do dever de executar sentenças
dos tribunais administrativos, uma vez que, sob pena de esvaziamento do
carácter vinculativo das decisões dos tribunais, fica subtraído a Administração
Pública qualquer possibilidade de se exprimir imperativamente acerca da
existência do dever de executar, do seu conteúdo ou da sua extensão, sendo que
um ato com tal objetivo que a Administração pretenda dotar de imperatividade é
nulo, nos termos do artigo 161º/2 alínea i).
Por fim, os atos praticados em juízo são também eles tipos de simples
atuações administrativas, sendo que, quando é parte em processo jurisdicional,
a Administração Pública pratica atos unilaterais que visam sustentar a sua
posição perante o tribunal, habilitando-o a decidir a questão que lhe foi
suscitada, encontrando nesta categoria os articulados, os requerimentos e as
alegações processuais. Contudo, atos praticados em juízo que produzem efeitos
jurídicos por si, não podem ser considerados simples atuações administrativas.
No geral, as simples atuações administrativas não possuem um regime
jurídico geral ou sequer uniforme, estando, no entanto, sujeitas aos princípios
fundamentais da atividade administrativa, em especial o princípio da
legalidade, nas suas duas vertentes da preferência e reserva de lei.
Naquilo que não sejam especialmente reguladas, podem aplicar-se
analogamente os aspetos do regime do ato administrativo (na sua maioria, as
normas relativas aos vícios e desvalores), que não pressuponham a produção de efeitos
próprios.
Já em relação aos atos materiais, o Prof. Dr. Marcelo Rebelo de Sousa
define-os como “condutas voluntárias da Administração Pública suscetíveis de
apreensão sensorial direta”.
Sendo que, em certas situações, para que se possa atingir um determinado
resultado não é suficiente um único ato material, determina-se que o conjunto
de atos materiais unificados pela prossecução do mesmo objetivo são designados
como operações materiais, sendo elas a única forma da atividade administrativa
que se projeta direta e exclusivamente no mundo físico. Enquanto que, para o
Prof. Dr. Freitas do Amaral, são operações materiais “quaisquer tipos de atuação
física levada a cabo pelo Administração pública, ou em seu nome ou por sua
conta, para conservar ou modificar uma dada situação de facto no mundo real”.
Estes podem ser funcionais ou pessoais, consoante forem praticados por
um titular de órgão ou trabalhador administrativo no exercício das suas funções
e por causa delas, imputáveis a uma pessoa coletiva administrativa ou, por sua
vez, imputáveis à esfera privada de um titular de órgão ou trabalhador
administrativo.
Os atos materiais são necessários à efetuação de todas as tarefas
administrativas, por entidade públicas ou privadas, surgindo em todos os
âmbitos da Administração Pública em sentido material e em todos os ramos e
direito administrativo especial. Deste modo, são a única forma de atividade
administrativa eventualmente capaz de rivalizar com o ato administrativo em
termos de frequência estatística.
Assim, os atos materiais podem ser, do ponto de vista do Prof. Dr.
Marcelo Rebelo de Sousa, positivos ou negativos, quando se trata de ações ou
omissões; podem ser internos ou externos, quando se relacionam com o
funcionamento quotidiano do aparelho administrativo ou quando dizem respeito a
relações entre sujeitos jurídicos; podem ser jurídicos, quando produzem efeitos
de direito, como é o caso dos que envolvem de forma imediata o exercício de
poderes, o cumprimento de deveres e a sua violação, bem como aqueles dos quais
resulte a constituição, extinção ou modificação de situações jurídicas, ou
podem ser não jurídicos, como é o caso geral dos atos materiais instrumentais.
Podem também ser instrumentais, quando praticados no decurso do
funcionamento normal e quotidiano da Administração Pública, sem que tenha uma
ligação direta com outros atos jurídico-públicos; podem ser preparatórios, se
praticados no decurso de um procedimento administrativo, visando a manifestação
da vontade da Administração Pública através da emissão de um ato
administrativo, regulamento ou da celebração de um contrato; podendo igualmente
ser de execução se efetivam de modo prático uma decisão anteriormente tomada;
podem ser de coação direta, quando aplicam diretamente normas jurídicas legais
ou regulamentos, sem mediação de uma decisão vertida num ato administrativo per si ou podem, por fim, ser atos de
gestão pública ou privada.
Enquanto que o Prof. Dr. Freitas do Amaral divide as operações materiais
em relação à sua estrutura, classificando-as como instantâneas, quando ocorrem
num único momento, ou como continuadas quando se prolongam no tempo, assumindo
o nome de atividade.
Em razão do seu fim, determina que estas podem visar a conservação de
uma dada situação de facto, ou a modificação, parcial ou total (eliminação), de
uma situação já existente.
Relativamente ao seu regime jurídico, refere as operações de gestão
pública, efetuadas em regra no exercício de poderes públicos ou no cumprimento
de deveres públicos, destacando as operações materiais coativas, bem como
refere as operações de gestão privada, que decorrem sob a égide do direito
privado.
Quanto ao seu significado e alcance, podem ser internas, ou seja, dentro
da entidade pública que as promove, ou externas, que são favoráveis a
particulares.
Por fim, quanto à sua conformidade com as leis em vigor, podem ser
legais ou ilegais, podendo, no caso das últimas, ser ilícitas se violarem ou
sacrificarem, sem fundamento jurídico bastante, os direitos de terceiro, sendo
então fonte de responsabilidade civil, sem embargo de outras formas de
responsabilidade que no caso couberem.
Os atos materiais estão também eles submetidos aos princípios
fundamentais da atividade administrativa e às normas legais que concretizem
preceitos constitucionais, considerando que o princípio da proporcionalidade
assume uma importância fundamental neste campo, pois, ao contrário do que
sucede com os atos puramente jurídicos, a atividade administrativa material
pode produzir modificações físicas irreversíveis e causar danos de difícil ou
impossível reparação para os particulares, sendo, então, o direito de
resistência o último reduto da garantia das posições jurídicas subjetivas dos
particulares contra os atos materiais ilegais da Administração.
Assim, a lei enfatiza a vinculação da Administração Pública ao princípio
da proporcionalidade a propósito da execução dos atos administrativos através
dos atos materiais.
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