sexta-feira, 27 de maio de 2016

O PODER DE MODIFICAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO ADMINISTRATIVO


A prossecução do interesse público é o fundamento para a celebração do contrato administrativo que, por sua vez, atribui ao contrato um carácter relativamente flexível para responder adequadamente a todas as alterações e modificações sofridas em função do interesse que visa satisfazer. O princípio da prossecução do interesse público justifica deste modo a mutabilidade que o contrato poderá sofrer ao longo da sua execução. Este princípio resulta da atribuição à Administração Pública de prerrogativas de poder, que o colocam numa posição de supremacia face ao co-contratante. O co-contratante fica sujeito ao exercício desses poderes, o que pode originar um desequilíbrio de cariz económico-financeiro nas prestações das partes relativamente às cláusulas do contrato inicialmente estipuladas.

Os poderes de autoridade da Administração na fase de execução dos contratos administrativos, que consubstanciam poderes de conformação da relação contratual, estão previstos no artigo 302º do Código dos Contratos Públicos (CCP). Todavia, o exercício em concreto de um desses poderes, determina o dever de reposição do equilíbrio financeiro: trata-se do poder de modificação unilateral do contrato, por razões de interesse público (artigo 302º alínea c).

 

 O poder de modificação unilateral é, a par do poder de resolução unilateral, aquele que mais compromete a estabilidade do contrato. Este poder atribui ao contraente público, sem necessidade de acordo do co-contratante ou de intervenção judicial, a possibilidade de modificar as cláusulas do contrato e o modo de execução das prestações, adequando-as ao interesse público que o contrato visa satisfazer. Exerce-se devido a uma alteração da realidade que fundou a celebração do contrato ou uma alteração do interesse público subjacente. Em contratos de longa duração a questão torna-se mais evidente dado que ao longo da sua execução há uma maior probabilidade da ocorrência de alterações das circunstâncias iniciais, o que impõe o reajustamento do conteúdo do contrato para assegurar a prossecução do interesse público actual.

 

O contrato administrativo pode ser modificado por acordo entre as partes ou por decisão judicial ou arbitral (artigos 311º nº1 do CCP). Mas também pode ocorrer através de um acto administrativo (cuja natureza está descrita no artigo 307º nº 2 alínea b do CCP). O acto administrativo traduz-se em declarações que visam uma modificação unilateral das cláusulas previstas no contrato por quando invocadas razões de interesse público decorrentes de “necessidades novas ou de uma nova ponderação de circunstâncias existentes” (artigos 311 nº2 e 312º alínea b). Este poder de modificação unilateral (ius variandi) consubstancia um verdadeiro poder de conformação da relação contratual previsto no artigo 302º c) do CCP.

 

Outro fundamento para a modificação do contrato é a alteração de circunstâncias também prevista na alínea a do artigo 312º do CCP e consagrada no artigo 437º do Código Civil (CC). Neste sentido, sempre que ocorra uma modificação das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar que coloque em causa fins de interesse público, será admitida a modificação ou mesmo a resolução do contrato. Porém, no âmbito do Direito Administrativo, a verificação de uma situação de alteração de circunstâncias leva preferencialmente à modificação do contrato (artigo 312º CCP, al.a) recorrendo-se apenas à resolução do mesmo como ultima ratio, contrariamente ao regime do artigo 437º do CC.

Para além das figuras da alteração das circunstâncias e do poder de modificação unilateral existe ainda a figura do facto do príncipe (fait du prince). Esta figura corresponde aos efeitos decorrentes de um acto ou medida, não necessariamente da Administração Pública, cuja natureza apesar de não estar directamente relacionada com o contrato, afectam o seu equilíbrio económico-financeiro. Esses actos poderão ser designadamente regulamentos, medidas governamentais, alterações legislativas, entre outros. O próprio CCP determina no seu artigo 314º nº1 alínea a, que uma situação que consubstancie um facto do príncipe tem como consequência o direito do co-contratante à reposição do equilíbrio financeiro sempre que se verifique uma modificação do contrato. Por outro lado, se houver lugar à resolução do contrato o co-contratante terá direito ao pagamento de uma indemnização ao abrigo do artigo 335º nº2.
Filipe Martins
nº24969

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